Estamos em ano eleitoral
Estamos em ano eleitoral, quando todos somos chamados a eleger nossos representantes, no Parlamento, e nossos governantes, no Executivo. Em muitos momentos históricos, mesmo no Brasil de terríveis contradições e desníveis, o voto transforma-se em motivo de festa, de alegria cívica, embora não muito tempo depois de empossados, representantes e governantes deixem de ser nossos para ser apenas, e rigorosamente, deles, dos seus interesses, das suas particularidades, dos seus negócios e negociatas. E os nossos, que seria a Nação, o Estado, o coletivo, o povo, restringe-se à família e a um pequeno grupo bem ensinado, cujo cabedal cultural é a cartilha do chefe.
Se não bastasse isso para nos espantar e entristecer, duro, igualmente, é apreciarmos a falácia, o despudor verbal da robusta maioria dos nossos candidatos, o esforço ilógico e deselegante que realizam na tentativa de conquistar, logo o quê, o nosso voto. Como é estúpido observamos, até mesmo nos horários nobres do rádio e da TV, os discursos incendiados, vestidos de mentiras, de invencionices, de ataques desenfreados aos adversários, de calúnias, de difamação , de promessas impossíveis de ser cumpridas. E, ao findar de tudo, embora tudo fique impune, por conta de uma justiça do faz-de-conta, nada sai da nossa cabeça, tudo fica impregnado no nosso ouvido e na nossa mente, causando-nos uma dor imensa e uma frustração dilacerante na alma.
Ao pensar sobre essa triste realidade da nossa cultura político-eleitoral, trago um texto do Abade Joseph Antoine Toussaint Dinouart, sobre a arte do calar. É um bom motivo para reflexão. Quem sabe, algum candidato às próximas eleições não tire disso proveito? Se isso ocorrer, já me darei por satisfeito.
A arte de calar
Abade Joseph Antoine Toussaint Dinouart
O primeiro grau da sabedoria é saber calar; o segundo, saber falar pouco e moderar-se no discurso; o terceiro é saber falar muito sem falar mal e sem falar demais.
É preciso saber governar a língua, considerar os momentos convenientes para retê-la ou dar-lhe uma liberdade moderada.
Princípios necessários para calar
1) Só se deve deixar de calar quando se tem algo a dizer que valha mais do que o silêncio.
2) Há um tempo de calar, assim como há um tempo de falar.
3) O tempo de calar deve sempre vir em primeiro lugar; e nunca se pode bem falar quando não se aprendeu antes a calar.
4) Não há menos fraqueza ou imprudência em calar, quando se é obrigado a falar, do que leviandade e indiscrição em falar, quando se deve calar.
5) É certo que, considerando as coisas em geral, há menos risco em calar do que em falar.
6) O homem nunca é tão dono de si mesmo quanto no silêncio: fora dele, parece derramar-se, por assim dizer, para fora de si e dissipar-se pelo discurso; de modo que ele pertence menos a si mesmo do que aos outros.
7) Quando se tem uma coisa importante para dizer, deve-se prestar a ela uma atenção muito especial: é necessário dizê-la primeiro a si mesmo e, depois de tal precaução, voltar a dizê-la, para evitar que haja arrependimento quando já não se tiver o poder de voltar atrás no que se declarou.
8) Quando se trata de guardar segredo, calar nunca é demais; o silêncio é então uma das coisas em que, geralmente, não há excesso a temer.
9) A reserva necessária para guardar o silêncio na conduta geral da vida não é uma virtude menor do que a habilidade e a aplicação em bem falar; e não há mais mérito em explicar o que se sabe do que em se calar o que se ignora. O silêncio do sábio às vezes vale mais que o arrazoado do filósofo; o silêncio do primeiro é uma lição para os impertinentes e uma correção para os culpados.
10) O silêncio muitas vezes passa por sabedoria em um homem limitado e por capacidade em um ignorante.
11) Somos naturalmente levados a acreditar que um homem que fala muito pouco não é um grande gênio e que o outro que fala demais é um transtornado ou um louco. Mais vale passar por não ser um gênio de primeira grandeza, permanecendo frequentemente em silêncio, do que por louco, abandonando-se à comichão de falar demais.
12) A característica própria de um homem corajoso é falar pouco e executar grandes ações. A característica de um homem de bom senso é falar pouco e dizer sempre coisas razoáveis.
13) Mesmo que tenha propensão ao silêncio, sempre se deve desconfiar de si mesmo; e se houver muita paixão em dizer alguma coisa, este será um motivo suficiente para decidir não dizer.
14) O silêncio é necessário em muitas ocasiões, mas é preciso sempre ser sincero; podem-se reter alguns pensamentos, mas não se deve camuflar nenhum. Há maneiras de calar sem fechar o coração; de ser discreto sem ser sombrio e taciturno; de ocultar algumas verdades sem as cobrir de mentiras.